DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

AULA CLONAGEM INTERNACIONAL

Prof. D. Freire e Almeida

 III-  DIREITO INTERNACIONAL CONSTITUCIONAL, AMBIENTAL e os DIREITOS INTERNACIONAIS DOS DIREITOS HUMANOS                                                                                                

CAPÍTULO II

DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS

CLONAGEM INTERNACIONAL

                                  INTRODUÇÃO                                   

            As chamadas ciências da vida e a biotecnologia são reconhecidamente, depois da tecnologia da informação, a nova onda da economia baseada no conhecimento, abrindo novas oportunidades para as sociedades e as economias.

Neste passo, os problemas legais modernos que coloca a clonagem, e o alerta que suscitou a concepção de uma ovelha-clone a partir de uma célula adulta, fizeram alargar o debate em torno do Direito à identidade genética própria e sobre a proibição ou não da clonagem humana.

No mesmo sentido, o acompanhamento da evolução da situação nos domínios da tecnologia genética, devido à universalidade dos princípios associados à dignidade do ser humano, assegurado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos- DUDH, tem levado juristas de todo o mundo a enfrentar estas questões com grande cuidado e sensibilidade.

 

I.  A CLONAGEM

              Segundo Abdelmassih (2002),  a Clonagem é a repetição exata de um material genético por meio de uma maneira assexual a partir do núcleo de células embrionárias cultivadas e células somáticas diplóides adultas.

O autor explica que nas suas dimensões biológicas, a clonagem como reprodução artificial obtém-se sem a contribuição dos dois gametas; trata-se, portanto, de uma reprodução assexual e agâmica.  A fecundação propriamente dita é substituída pela “fusão” de um núcleo retirado de uma célula somática de um indivíduo adulto que se deseja clonar, ou da própria célula somática, com um óvulo desprovido de núcleo, ou seja, do genoma de origem materna.

Em prosseguimento, dado que o núcleo da célula somática traz todo o material genético, o indivíduo obtido possui — salvo possíveis alterações — a identidade genética do doador do núcleo.  É esta correspondência genética essencial com o doador que faz com que o novo indivíduo seja a réplica somática ou a cópia dele [1].

 

II.  APLICAÇÕES

          As ciências da vida e a biotecnologia proporcionam oportunidades para enfrentar muitas das necessidades mundiais relacionadas com a saúde, o envelhecimento, a alimentação, especialidades humanas e o ambiente, assim como o desenvolvimento sustentável.

De fato, as novas descobertas da biotecnologia são apontadas, por muitos, entre as tecnologias de ponta mais prometedoras para as próximas décadas.  Assim como a tecnologia da informação, as ciências da vida e a biotecnologia são tecnologias horizontais e possibilitam uma vasta gama de aplicações, para benefício público e privado internacional.

Levando-se em conta as importantes descobertas científicas dos últimos anos, é muito provável que a explosão dos conhecimentos sobre os organismos vivos dê origem a um fluxo contínuo de novas aplicações em todo o mundo.

A biotecnologia está na origem da passagem de um modelo baseado na gestão das doenças para uma medicina personalizada e preventiva baseada na predisposição genética, na despistagem orientada, no diagnóstico e nos tratamentos com medicamentos inovadores.

Ainda, a farmacogenômica, que utiliza a informação relativa ao genoma humano para a concepção, descoberta e desenvolvimento de medicamentos, continuará a aprofundar esta transformação radical.  Como se sabe, a indústria farmacêutica promove fluxos internacionais de trocas.

            Por sua vez, a investigação relativa às células matrizes e à xenotransplantação abrem perspectivas à substituição de tecidos e órgãos para o tratamento de doenças degenerativas e de lesões resultantes de acidentes vasculares cerebrais, doenças de Alzheimer e de Parkinson, queimaduras, deficiências especiais e lesões da medula espinhal.

Apesar da impossibilidade de incluir o espírito, que é a fonte da personalidade, a extensão da clonagem ao homem já fez imaginar hipóteses, inspiradas pelo desejo de um poder absoluto: replicação de indivíduos dotados de genialidade e beleza excepcional, reprodução da imagem de um “familiar defunto”, seleção de indivíduos sadios e imunes a doenças genéticas, possibilidade de escolha do sexo, produção de embriões previamente selecionados e criopreservados a fim de serem depois transferidos para o útero, como reserva de órgãos[2].

            Entretanto, ao abordar-se as implicações e preocupações em nível ético e jurídico, a revolução científica e tecnológica cria novos desafios para todos os países do mundo, no que diz respeito ao desenvolvimento de suas políticas legislativas internas, pela possibilidade de restrições da propriedade genética, com uma clara perspectiva internacional.

 

III.  O Papel Brasileiro  

No Brasil, as responsabilidades recaem sobre a ausência de uma visão partilhada do que se encontra em jogo, e sem objetivos comuns nem uma coordenação eficaz.  O Brasil, tem enfrentado de forma lenta e com dificuldades os desafios e as oportunidades destas novas tecnologias.

Este quadro, coloca as políticas públicas brasileiras em cheque, pois um papel passivo ou mesmo reativo, nos sujeitará às implicações do desenvolvimento destas tecnologias em outros lugares, consistente com outros valores e padrões, bem como com um custo inviável para os padrões nacionais.

Com efeito, atualmente, o Brasil encontra-se carente no desenvolvimento ativo de políticas responsáveis e de longo prazo, nos colocando à mercê de sermos confrontados com políticas definidas por outros países do mundo, bem como de termos que pagar por elas (propriedade intelectual).

No quadro legislativo, o Brasil estabeleceu, primeiramente, normas para o uso das técnicas de engenharia genética, nos seguintes termos:

Lei nº 8.974, de 05.01.95

Art. 8º É vedado, nas atividades relacionadas a OGM:

I - qualquer manipulação genética de organismos vivos ou o manejo in vitro de ADN/ARN natural ou recombinante, realizados em desacordo com as normas previstas nesta Lei;

II - a manipulação genética de células germinais humanas;

III - a intervenção em material genético humano in vivo, exceto para o tratamento de defeitos genéticos, respeitando-se princípios éticos, tais como o princípio de autonomia e o princípio de beneficência, e com a aprovação prévia da CTNBio;

IV - a produção, armazenamento ou manipulação de embriões humanos destinados a servir como material biológico disponível;

V - a intervenção in vivo em material genético de animais, excetuados os casos em que tais intervenções se constituam em avanços significativos na pesquisa científica e no desenvolvimento tecnológico, respeitando-se princípios éticos, tais como o princípio da responsabilidade e o princípio da prudência, e com aprovação prévia da CTNBio;

 

Finalmente, a Lei nº 11.105, de 24 de Março de 2005 permitiu para fins de pesquisa e  terapia,  a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento.

Entretanto, proibiu a clonagem humana (artigo 6o. da Lei).

O PANORAMA INTERNACIONAL E A PROPRIEDADE INTELECTUAL

   1. O Panorama Internacional

Ponto fulcral, diz respeito ao alerta para que as sociedades devam proporcionar as salvaguardas necessárias para garantir que o desenvolvimento e as aplicações das ciências da vida e da biotecnologia se façam no respeito dos valores fundamentais reconhecidos pelas nações, em especial confirmando o respeito pela vida e dignidade humanas.

  Relembrando o artigo 3o. da DUDH,

Artigo 3°

            "Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal"

 

Mais recentemente, em 1997, a mais de 80 países assinaram a Declaração Universal sobre o genoma e os Direitos Humanos.  Especificamente sobre a Clonagem, declarou-se:

"Não serão permitidas práticas contrárias à dignidade humana, tais como a clonagem reprodutiva de seres humanos.  Os Estados e as Organizações internacionais competentes são convidados a cooperar na identificação de tais práticas e a determinar, nos níveis nacionais ou internacional, as medidas apropriadas a serem tomadas para assegurar o respeito pelos princípios expostos nesta Declaração".

Neste passo, inicialmente, nos Estados Unidos da América a tendência em termos legislativos está direcionada à proibição da Clonagem Humana.  Entretanto, enquanto não há legislação proibitiva, os laboratórios em geral realizam experimentações com células embrionárias humanas, mas sem verbas públicas, o que tem acirrado o debate em torno do tema.

Em Espanha, a Clonagem humana está proibida, desde 1988, proibindo a reprodução assistida com clonagem de embriões e ovócitos sob pena de sanções criminais.  No mesmo passo, está proibida a utilização de embriões humanos com fins industriais e comerciais.  Entretanto, a investigação em embriões é permitida até o 14o. dia.

Já na França, a Clonagem humana e a experimentação com células embrionárias humanas está proibida desde 1994.  Em 2001, o Conselho de Ministros francês aprovou lei que possibilita fazer investigações com alguns embriões, mas rejeita a clonagem humana.  O objetivo é utilizar os embriões excedentes, congelados, que já não objeto de um projeto parental.

Na Alemanha, a clonagem está proibida, sendo que desde 1990 a criação, e experimentação, de um embrião geneticamente idêntico a outro, ou a um feto, ou a um morto, é considerada uma ofensa.

A seu turno, o Reino Unido proibiu a Clonagem Humana, mas o seu Parlamento aprovou legislação permitindo aos investigadores fazerem experiências em células embrionárias humanas.  Embora proíba a clonagem humana, o Reino Unido tornou-se um país pioneiro ao permitir a utilização deste tipo de células germinais, ou seja, que ainda não passaram pelo processo de diferenciação.   No que se refere a experimentação com células embrionárias humanas, a utilização de embriões provenientes de abortos espontâneos na pesquisa é permitida desde 1990.  Em Dezembro de 200, o Parlamento aprovou a clonagem humana terapêutica- utilização de embriões como fonte de células produtoras de tecidos.

Por sua vez,  na Itália a Clonagem humana e de animais está proibida, bem como a experimentação com células embrionárias humanas.  Sobre estes assuntos, a legislação em Portugal está em fase de debates no Parlamento.

2.  A Propriedade Intelectual

A liberdade de investigação, valor intrínseco dos novos conhecimentos, deve-se adequar à liberdade de utilização do patrimônio genético.

Os respectivos direitos de propriedade intelectual, e as aplicações destas novas tecnologias, devem ser feitos com critérios e condições que permitam o desenvolvimento de todos os povos.

Com efeito, as invenções biotecnológicas exigem elevados investimentos de capital, longos ciclos de desenvolvimento e uma aprovação regulamentar detalhada.  Uma proteção por patentes eficaz é um incentivo primordial à investigação e à inovação bem como um meio essencial para garantir a rentabilidade dos investimentos.  Além disso, a divulgação de informações no âmbito da publicação de patentes tem contribuído muito para o desenvolvimento global da biotecnologia.

Tendo em consideração o rápido progresso científico, a legislação relativa à propriedade intelectual deve ser controlada muito atentamente no âmbito da Organização Mundial do Comércio, no que diz respeito à clonagem humana.  Deve avaliar-se regularmente em que medida o regime de patentes satisfaz as necessidades dos investigadores e das empresas e sobretudo, dos seres-humanos.

Nesta questão, deve caminhar-se no sentido de promover o diálogo internacional.

Como se sabe, a revolução das ciências da vida e da biotecnologia é mundial.  Fundamentalmente, a investigação realiza-se à escala internacional. Os conhecimentos e os especialistas circulam por todo o mundo.  Um número crescente de países dedica-se ativamente à biotecnologia e os produtos e serviços daí resultantes serão cada vez mais comercializados nos mercados mundiais, com benefícios acrescidos para os primeiros inovadores.

É também claro que existe uma grande diversidade entre países e regiões no que respeita à sua capacidade para desenvolver, regulamentar e utilizar os novos produtos e serviços.  Uma diversidade ainda maior pode vir a surgir no que respeita às prioridades e aos valores da sociedade que configurarão as abordagens e escolhas para desenvolver e utilizar estas novas tecnologias.

 

PREOCUPAÇÕES

   A tecnologia aplicada à clonagem de seres humanos gerou muita euforia e discussões intermináveis de problemas éticos.  Os governos sofreram enormes pressões para criarem legislações restritivas.

A discussão passa pelo propósito da clonagem de gerar um indivíduo a partir de uma célula somática.  Alguns estudiosos afirmam ser uma temeridade, pois não se pode garantir a integridade dos genes desta célula, e assim, dos genes do clone.

Há pois, o receio da geração de “monstros”, ou pior, clones aparentemente normais, porém carregando em seus genes alguma alteração que só se manifestará a longo prazo.

Outra preocupação reveste-se na possibilidade da procriação dos clones com outros indivíduos da população.  Alerta-se, que os clones poderão estar disseminando alterações genéticas pela população humana que podem vir a se manifestar somente depois de várias gerações, quando já  estarão presentes em um número significativo de pessoas.  Então, poderá ser tarde demais, e o patrimônio genético humano já terá sido alterado de forma irreversível.

Entretanto, os pesquisadores acreditam que as pesquisas devem se intensificar nessa área, mas fazendo a exata distinção entre a clonagem reprodutiva, onde um indivíduo inteiro é produzido a partir de uma célula por reprodução assexuada, e a clonagem terapêutica, ou seja, as aplicações científicas e terapêuticas desta mesma tecnologia.

Em prosseguimento, diante de princípios como os da inviolabilidade da vida, da dignidade humana e da individualidade, já surgiram campanhas mundiais para que todos os países instituam leis que proíbam a clonagem de seres humanos.

Na Alemanha, por exemplo, a lei disciplina a proteção aos embriões e prevê oito crimes, determinando pena de cinco anos de prisão para o delito de criar um clone humano e implantá-lo no útero de uma mulher[3]. 

Em nosso país, considera-se crime a manipulação genética de células germinais humanas e a intervenção em material genético humano in vivo, exceto para o tratamento de defeitos genéticos, respeitando-se os princípios éticos, tais como o princípio da autonomia da pessoa e o princípio de beneficência, e com autorização prévia da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança[4].  Para ambos os tipos penais, a pena é de detenção de três meses a um ano. Se a prática do crime resultar em morte, a pena é de 6 a 20 anos de reclusão.  Igual penalidade é aplicada a quem produza, armazene ou manipule embriões humanos destinados a servir de material biológico disponível.  

Contudo, na Grã-Bretanha, por exemplo, desde dezembro de 2000, acha-se alterada a legislação no sentido de permitir a criação de embriões humanos para fins de investigação científica, sendo a clonagem humana considerada um dos métodos para essa criação. E nos Estados Unidos, encontra-se vivo o debate sobre a possibilidade de financiamento público para tais experimentos[5].

Finalmente, o Direito deve enfrentar a emergência dos novos sujeitos de Direito, o embrião humano.  A ampliação do espaço jurídico, de forma a abranger os direitos bioéticos, repercute desde logo no conceito de família, pois antevê-se a possibilidade de filiação a partir de um sujeito individual ou mesmo de um casal homossexual.  

Abrem-se também perspectivas para novas formas de discriminação, pois o futuro nos possibilita admitir a existência de crianças, adolescentes e adultos geneticamente melhorados, os quais devem competir na escola, na sociedade e no mercado de trabalho, com crianças, adolescentes e adultos naturais.

Relembrando o artigo 2o. da DUDH,

Artigo 2°

Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autônomo ou sujeito a alguma limitação de soberania.

  A possibilidade de mapeamento genético da pessoa entrevê, também, repercussões na área do Direito securitário, pois pessoas que apresentem características genéticas consideradas desvantajosas para as empresas de seguros poderão ser discriminadas, seja mediante impedimento de contratar, seja pelo acréscimo nos valores dos prêmios.

  APOIO:

 Declaração Universal dos Direitos Humanos (!! CLIQUE AQUI !!)

Advertência

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FREIRE E ALMEIDA, D.  Clonagem Internacional.  Brasil: Agosto, 2005.  Disponível em: < www.lawinter.com/dfalawinterclonagem.htm >

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Vide Lei nº 9.610, de 19.02.1998

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[1] Abdelmassih, Roger.  CLONAGEM REPRODUTIVA E CLONAGEM TERAPÊUTICA: SIGNIFICADO CLÍNICO E IMPLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS.  Conferência proferida no Seminário Internacional Clonagem Humana: Questões Jurídicas. 2002. 

[2] Abdelmassih, Roger.  CLONAGEM REPRODUTIVA E CLONAGEM TERAPÊUTICA: SIGNIFICADO CLÍNICO E IMPLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS.  Conferência proferida no Seminário Internacional Clonagem Humana: Questões Jurídicas. 2002. 

[3] COELHO, Luiz Fernando.  CLONAGEM REPRODUTIVA E CLONAGEM TERAPÊUTICA: QUESTÕES JURÍDICAS.  Conferência proferida no Seminário Internacional Clonagem Humana: Questões Jurídicas. 2002.   

[4] COELHO, Luiz Fernando.  CLONAGEM REPRODUTIVA E CLONAGEM TERAPÊUTICA: QUESTÕES JURÍDICAS.  Conferência proferida no Seminário Internacional Clonagem Humana: Questões Jurídicas. 2002.   

[5] COELHO, Luiz Fernando.  CLONAGEM REPRODUTIVA E CLONAGEM TERAPÊUTICA: QUESTÕES JURÍDICAS.  Conferência proferida no Seminário Internacional Clonagem Humana: Questões Jurídicas. 2002.