DIREITO INTERNACIONAL

AULA 06

Prof. D. Freire e Almeida  

 I.  Normas Internacionais

I.2  O Costume Internacional  

            Para o Estatuto da Corte de Haia, a norma jurídica costumeira resulta de uma prática geral aceita como sendo o direito (Art. 38, b) [1].  

a)  Elemento Material 

            O aspecto material do costume, é a repetição de um procedimento, podendo ser uma ação ou omissão, realizada por pessoas jurídicas de Direito Internacional Público ( Estados soberanos, Organizações Internacionais ).

            Em continuidade, tal “repetição de certo procedimento” deve ser ao longo do tempo, sendo de se observar, que devido à celeridade contemporânea não mais se necessitam séculos para produzirem uma norma costumeira, sendo que o lapso temporal ainda que reduzido não impede a formação de uma nova norma. 

b)  Elemento Subjetivo 

            Ainda que o procedimento seja repetido, verifica-se a necessidade de que a prática seja determinada pela opinio juris.  Isto equivale a dizer, que deve haver a convicção de que o procedimento é correto, justo, de bom direito.

Portanto, se por um lado, o elemento material do costume seria a prática, a repetição, de um certo modo de proceder, o seu elemento subjetivo seria a convicção de que assim se procede por ser necessário, justo e dessa forma jurídico[2]

c)  Geral 

            A terminologia empregada pela Corte de Haia, em seu artigo 38, de que o costume internacional resulta de uma “prática geral”, não prejudica a existência de vários graus de generalidade espacial, possibilitando o aparecimento de regras costumeiras regionais.

            Neste sentido, para ( REZEK, 2000 ), é possível que os redatores do texto estatutário tenham falado de uma prática geral no sentido de prática comum [3]

I.2.1  Prova do Costume 

            Compete á parte que alega em seu benefício certa regra de direito costumeira, provar sua existência e sua oponibilidade à parte diversa.

            É de se destacar a dificuldade de demonstrar a existência de uma norma costumeira, sendo mais difícil do que demonstrar que um tratado existe, verbi gratia.  Dessa forma, procura-se provar o costume em atos estatais, executivos ( que compõem a prática diplomática ) ou nos texto legais e nas decisões judiciárias que disponham sobre temas de interesse do Direito Internacional.  Pode-se ainda, utilizar-se da jurisprudência internacional. 

I.2.2  Hierarquia – Costume e Tratado 

            Não há desnível hierárquico entre o Tratado e normas costumeiras.  Neste passo, o Estatuto da Corte de Haia não objetivou ser hierarquizante ao mencionar os Tratados antes do Costume [4].

            No entanto, em virtude da operacionalidade do Tratado, por oferecer alto grau de segurança no que concerne à apuração de seus dispositivos, constatamos o contraste com o Costume internacional, com apuração nebulosa e difícil, bem como sua lentidão e incerteza. 

I.2.3  Fundamento de Validade 

            Enquanto o Tratado encontra seu fundamento no princípio pacta sunt servanda, com o costume, semelhantemente, explica-se como produto do assentimento dos Estados.

Dessa forma, o consentimento deve ser expresso, tendo o Estado o direito de repudiar certas normas costumeiras.  Mas, o seu silêncio durante determinado tempo em que seja possível sua manifestação internacional, importa em seu reconhecimento tácito. 

I.3  Princípios Gerais do Direito 

            O artigo 38, do Estatuto da Corte de Haia, inclui os princípios gerais de Direito como fonte para decidir as controvérsias que lhe são apresentadas[5].   

            Como exemplos destes princípios, estão o da não agressão, o da solução pacífica de litígios entre Estados, o da auto-determinação dos povos, o da coexistência pacífica, o do desarmamento, o da proibição da propaganda de guerra, da continuidade do Estado, o pacta sunt servanda, lex porterior derogat priori [6].

Neste plano, novamente, primordial a lembrança do dispositivo constitucional brasileiro em conformidade:

  “Art. 4º - A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

I - independência nacional;

II - prevalência dos direitos humanos;

III - autodeterminação dos povos;

IV - não-intervenção;

V - igualdade entre os Estados;

VI - defesa da paz;

VII - solução pacífica dos conflitos;

VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;

IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;

X - concessão de asilo político.

Parágrafo único - A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.” 

I.3.1  Fundamento de Validade dos Princípios Gerais 

            É, sobre o consentimento dos Estados que repousa a validade dos princípios gerais enquanto normas jurídicas.  Portanto, o fundamento de validade dos Princípios Gerais não difere daquele sobre o qual assentam os Tratados e o Costume [7]

I.4  Atos Unilaterais 

            Importante mencionar, que o Estatuto da Corte de Haia não menciona em seu artigo 38 os atos unilaterais entre as fontes possíveis de Direito Internacional.

            No entanto, como destaca ( REZEK, 2000 ), todo Estado, pode eventualmente produzir ato unilateral de natureza normativa.  Nesta categoria, inscrevem-se os diplomas legais que se promulgam no interior das diversas ordens legais, que mesmo não interessando ao Direito Internacional, pode casualmente voltar-se para o exterior, habilitando-se como fonte do Direito Internacional, na medida em que possa ser invocado por outros Estados com algum pretexto qualquer.  Neste passo, exemplificam-se as leis ou decretos utilizados pelos Estados para determinar a extensão de seu mar territorial, o regime de seus portos, a franquia de suas águas interiores à navegação estrangeira[8].  

I.5  Decisões das Organizações Internacionais 

            Novamente,  de se mencionar, que o Estatuto da Corte de Haia não menciona em seu artigo 38 as Decisões das Organizações Internacionais entre as fontes possíveis de Direito Internacional.

            As resoluções, recomendações, declarações, diretrizes, são normalmente os títulos que qualificam as Decisões das Organizações Internacionais.

            Neste passo, dentro das organizações, certo órgão no uso de sua competência, delibera sobre determinada controvérsia, sendo a eficácia legal desse produto medida à luz do sistema constitucional das organizações.  Assim, a obrigatoriedade ao cumprimento de tais decisões repousa sobre o consentimento, anterior, ou seja, aquele externado à hora de se ditarem em comum as regras do jogo organizacional.

            Para ( MELLO, 1997 ), não há como negar o caráter de fonte das decisões das Organizações Internacionais.  Para o autor, negar que estas decisões sejam fontes do Direito Internacional é não reconhecer o processo de integração da sociedade internacional[9]

I.6  Jurisprudência e Doutrina 

            Primeiramente, é de se destacar que enquanto instrumentos de boa interpretação da norma jurídica, a jurisprudência e a doutrina têm, no plano internacional, importância maior que no direito nacional de qualquer Estado.

            Em continuidade, a utilidade instrumental da jurisprudência e da doutrina advém das imperfeições do direito, que se fosse exato e unívoco, no tocante às suas normas jurídicas, não necessitaria de todo o esforço hermenêutico apoiado nas lições doutrinárias ou nas decisões dos tribunais.

            Em prosseguimento, as decisões judiciárias referidas pelo Estatuto da Corte de Haia, são as componentes da jurisprudência internacional [10].  Isto significa, o conjunto das decisões arbitrais e judiciárias, e ainda, os pareceres proferidos pela Corte de Haia [11].

            A seu turno, a Corte de Haia, concedeu à Doutrina, a qualidade de meio auxiliar para a determinação das regras de direito [12].  Neste sentido, a doutrina dos publicistas mais qualificados das diferentes nações, observada a característica do consenso doutrinário para a qualificação de segurança nos domínios de interpretação de uma regra convencional. 

I.7  Analogia e Eqüidade 

            A analogia e a eqüidade, são meios para enfrentar a inexistência da norma, ou a evidente falta de préstimo para proporcionar ao caso concreto um desfecho justo.  Ainda, comporta dizer que são métodos de raciocínio jurídico.

            A seu turno, o uso da analogia, consiste em fazer valer, para determinada situação, a norma jurídica concebida para aplicar-se a uma situação semelhante, na falta de regramento que se ajuste ao exato contorno do caso posto ante o intérprete [13].

            Por sua vez, a eqüidade, pode operar tanto na hipótese de insuficiência da norma de Direito positivo aplicável quanto naquela em que a norma, embora bastante, traz ao caso concreto uma solução inaceitável pelo senso de justiça do intérprete.  Assim, decide-se à luz de normas outras que preencham o vazio eventual, ou que tomem o lugar da regra estimada iníqua ante a singularidade da espécie [14].

            Importante, a lembrança de que a Corte de Haia não poderá decidir à luz da eqüidade sem a autorização das partes.  Portanto, sendo imprópria a norma ou faltante esta para aplicar ao caso, só poderá a Corte recorrer à eqüidade com a aquiescência das partes [15].    


[1] Artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça:

Art.  38.  1 – A Corte, cuja função é decidir de acordo com o Direito Internacional as controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará:

a)       as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes;

b)       O costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito;...” .

  [2] Cfr.  REZEK, José Francisco, “Direito Internacional Público-Curso Elementar”, Saraiva Ed., 8a. ed., 2000, p. 113/116.

[3] Cfr.  REZEK, José Francisco, “Direito Internacional Público-Curso Elementar”, Saraiva Ed., 8a. ed., 2000, p. 116.

[4] Cfr.  MELLO, Celso D. Albuquerque, “Curso de Direito Internacional Público”, Renovar Ed., 11a. ed., 1997, p. 273.

[5] Artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça:

Art.  38.  1 – A Corte, cuja função é decidir de acordo com o Direito Internacional as controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará:

a)       as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes;

b)       o  costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito;

       c)     os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas; ...”

[6] Cfr.  REZEK, José Francisco, “Direito Internacional Público-Curso Elementar”, Saraiva Ed., 8a. ed., 2000, p. 128/129.

[7] Cfr.  REZEK, José Francisco, “Direito Internacional Público-Curso Elementar”, Saraiva Ed., 8a. ed., 2000, p. 129.

[8] Cfr.  REZEK, José Francisco, “Direito Internacional Público-Curso Elementar”, Saraiva Ed., 8a. ed., 2000, p. 131/132.

[9] Cfr.  MELLO, Celso D. Albuquerque, “Curso de Direito Internacional Público”, Renovar Ed., 11a. ed., 1997, p. 290.

[10]  Artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça:

Art.  38.  1 – A Corte, cuja função é decidir de acordo com o Direito Internacional as controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará:

c)       as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes;

d)       o  costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito;

c)       os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas;

d)        sob resalva da disposição ao art. 59, as decisões judiciárias e a doutrina dos publicistas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito. ...”

[11] As decisões judiciárias nacionais, segundo ( REZEK, 2000 ), não se aproveitam no plano internacional a título de jurisprudência,   Cfr.  REZEK, José Francisco, “Direito Internacional Público-Curso Elementar”, Saraiva Ed., 8a. ed., 2000, p. 139.

[12] Vide nota 3.

[13] Cfr.  REZEK, José Francisco, “Direito Internacional Público-Curso Elementar”, Saraiva Ed., 8a. ed., 2000, p. 140.

[14] Cfr.  REZEK, José Francisco, “Direito Internacional Público-Curso Elementar”, Saraiva Ed., 8a. ed., 2000, p. 141.

[15] Cfr.  Artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça:

“Art.  38.  1 –  A Corte, cuja função é decidir de acordo com o Direito Internacional as controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará:

a)       as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes;

b)       o  costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito;

c)       os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas;

d)       sob resalva da disposição ao art. 59, as decisões judiciárias e a doutrina dos publicistas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito.

           2 -  A presente disposição não prejudicará a faculdade da Corte de decidir uma questão “ex aequo et bono”, se as partes com isto concordarem.”      

  Advertência

A utilização deste artigo, de forma parcial ou total, bem como qualquer transcrição, em qualquer meio, obriga a citação, sem prejuízo dos direitos já reservados ao autor, na seguinte forma:

FREIRE E ALMEIDA, D.  As normas internacionais do artigo 38 da corte de haia.  USA: Lawinter.com, Março, 2005.  Disponível em: < www.lawinter.com/62005dfalawinter.htm  >.

O autor desta página confere a você licença não-exclusiva somente para o acesso, leitura, transcrição parcial citada e 1ª impressão de seu conteúdo.  Você não está autorizado a transferir, foto-copiar ou de outra forma utilizar o conteúdo desta página, exceto na forma permitida por estes Termos. 

Copyright © Freire e Almeida, D., 2005. All rights reserved.

Vide Lei nº 9.610, de 19.02.1998Earth icon