DIPLOMACIA NO SÉCULO XX

AULA 07

Prof. D. Freire e Almeida

Desenrolar da Diplomacia e as suas funções

F) Extensão externa do serviço público (1)

                    Outro elemento complementar da atividade diplomática consiste na extensão externa do serviço público de um Estado no território de outro Estado através das missões diplomáticas e consulares.

                    Os cidadãos de um determinado Estado, quando se encontram no território de outro Estado, a título permanente ou transitório, têm por vezes necessidade de recorrer aos serviços públicos nacionais para o exercício dos seus direitos ou o cumprimento das suas obrigações. Para esse efeito as missões diplomáticas e os consulados estão autorizados legalmente a atuarem a favor dos respectivos nacionais em lugar de certos serviços públicos fundamentais, como sejam o registo civil, o notariado, o recenseamento eleitoral, o serviço militar, a emissão de passaportes e outros documentos, etc.

                    Para além dos cidadãos propriamente ditos, acontece também que os diversos meios de transporte de um determinado Estado podem transitar pelo território de outro Estado o que exige, geralmente, a prática de formalidades com a intervenção de representantes oficiais do país da nacionalidade dos referidos meios de transporte. Esta necessidade evidenciou-se primeiramente com a passagem de navios de um determinado Estado nos portos de outro Estado e isso levou ao estabelecimento de certos consulados em portos de maior movimento. Hoje, com o desenvolvimento das comunicações rodoviárias e aéreas, a necessidade de uma extensão externa dos serviços públicos que têm que intervir em território estrangeiro para o regular escoamento desse tráfego, aumentou consideravelmente.
O mesmo acontece ainda com o movimento de mercadorias entre os diferentes Estados que exige por vezes a prática de atos públicos ou formalidades em território estrangeiro por representantes diplomáticos ou consulares.
É esse hoje um aspecto rotineiro, que entrou nos hábitos da civilização em que vivemos e ao qual geralmente não se dá muita importância, mas que constitui, no entanto, um elemento importante da atividade diplomática tomada no seu sentido genérico.

G) As funções das missões permanentes junto das Organizações Internacionais

 

                    De acordo com a sua natureza específica, as funções das missões permanentes junto dos Organismos Internacionais diferem um tanto das funções das missões diplomáticas bilaterais. Essas diferenças não são, porém, fundamentais, pois que no que respeita às funções que chamamos essenciais - representação, negociação e informação - elas são comuns às duas espécies de missões.

                    O artigo 6.º da "Convenção de Viena" de 1975 enumera as funções das missões permanentes na seguinte forma:

                    As funções referidas nas alíneas a), c) e d) correspondem à representação, negociação e informação. A função mencionada na alínea f) corresponde à proteção. Na alínea g) refere-se a promoção dos objetivos e princípios da Organização, o que difere da função de promoção da missão diplomática bilateral que respeita à promoção dos interesses do próprio Estado que representa. Neste aspecto a missão permanente junto de uma Organização Internacional denota uma natureza diferente da missão diplomática bilateral.

                    Restam-nos as funções referidas nas alíneas b) e e) que consistem em manter a ligação entre o Estado de envio e a Organização e assegurar a participação do Estado de envio nas atividades da Organização: A referência a estas funções como atividades autônomas parece-nos supérflua pois elas se acham compreendidas perfeitamente nas outras funções de representação, negociação, informação e promoção.

                    No que se refere às funções das missões permanentes de observação, que são as missões que os Estados não-membros mantêm junto das Organizações Internacionais, a "Convenção de Viena" de 1975, no seu artigo 7.º, menciona as três funções essenciais de representação, negociação e informação.

                    Sobre o entendimento a dar a estas funções nada há a acrescentar do que já foi dito nos parágrafos anteriores relativos às funções da missão diplomática bilateral.

1.  O Mundo da Guerra Fria - O Período entre 1945-1964 (2)

                    No plano internacional, estes anos correspondem à primeira fase da Guerra Fria. A partir de 1946, o confronto político Estados Unidos-União Soviética passou a dominar o cenário mundial. Em pouco tempo formaram-se dois blocos sob a influência de ambas superpotências. A cristalização da bipolaridade impôs disciplinas ideológicas e políticas de segurança defensivas. 

                    Paralelamente, o processo de descolonização na Ásia e na África, iniciado após o fim da Segunda Guerra, ampliou significativamente a comunidade internacional. Este processo agravou o desequilíbrio da distribuição do poder político e econômico no sistema mundial. Criou-se então uma agenda de preocupações, compartilhadas pelas novas nações asiáticas e africanas e pela região latino-americana.

                    Na América Latina, as opções de política internacional foram fortemente condicionadas por esta realidade. A identificação da região como área de influência norte-americana determinou seus vínculos externos nos campos econômico, político e militar. Esta realidade teve um importante efeito sobre a diplomacia brasileira.

                    Neste desenrolar, as limitações impostas pela bipolaridade não impediram que o Brasil buscasse associar seu projeto de desenvolvimento econômico a políticas criativas no âmbito externo. Este empenho se manifestou com uma ênfase nacionalista durante o governo de Getúlio Vargas, no apelo ao desenvolvimentismo do governo de Juscelino Kubitschek e no sentido inovador da política externa independente dos governos Jânio Quadros e João Goulart.

                    Os primeiros anos do pós-guerra foram marcados por importantes mutações no sistema internacional. A derrota do nazismo propiciou uma onda de democratização em todo o mundo. Ao mesmo tempo, foi acelerada a desintegração dos impérios coloniais na Ásia e na África. Em alguns casos a descolonização foi acompanhada por movimentos revolucionários, que visavam a transformação de estruturas sociais.

                    A aliança entre as potências vencedoras - Estados Unidos, Grã-Bretanha e União Soviética - logo revelou sinais de dificuldade. O clima de entendimento alcançado durante a etapa final da guerra foi substituído por tensões e rivalidades. As demandas políticas do governo soviético, sob a liderança de Joseph Stalin, tornaram-se uma fonte de irritação contínua para o governo norte-americano. 

                    Ao longo do ano de 1946, o reordenamento do sistema internacional foi abalado pelo conflito de interesses políticos e estratégicos entre os Estados Unidos e a União Soviética. Este processo foi agravado frente à decisão soviética de manter sua presença militar e política na Europa Central. Após o breve período de funcionamento de "democracias populares", a maioria dos governos desta região foi submetida ao controle dos partidos comunistas locais, convertendo-se em Repúblicas Populares Socialistas. Na Hungria em junho de 1947, e na Tchecoslováquia em fevereiro de 1948, as resistências a este esquema soviético foram aplacadas.

                    Em junho de 1946 os Estados Unidos anunciaram o lançamento do Plano Marshall, para apressar a reconstrução da Europa Ocidental. Esperava-se que a transferência de recursos - por meio de investimentos públicos e empréstimos - para as economias européias, ampliaria as condições para conter a expansão soviética .

                    A Guerra Fria levou à formação de dois pactos militares antagônicos. Em 1947 foi criada a Organização do Tratado Atlântico Norte (OTAN) sob a liderança dos Estados Unidos, com a participação da Grã-Bretanha, Dinamarca, Holanda, Itália, Canadá, Islândia, Luxemburgo, Noruega e Portugal. Alguns anos mais tarde organizou-se o Pacto de Varsóvia (1955), sob a liderança da União Soviética, com a participação da Alemanha Oriental, Checoslováquia, Polônia,Hungria, Bulgária, Romênia e Albânia.

                    Em 1947 foi criado o COMINFORM (Communist Information Bureau) com o propósito de coordenar o movimento comunista em diferentes partes do mundo. Os novos governos socialistas passaram a exercer rígidos controles que visavam assegurar o isolamento político e cultural de suas sociedades frente ao "mundo ocidental". Uma das consequências mais dramáticas desta nova realidade se deu em 1949, com a criação de dois estados alemães, como resultado do bloqueio soviético de Berlim no ano anterior.

                    Arruinada pela guerra, a União Sovíetica deu início, em 1946, aos Planos Quinquenais, que corresponderam a um grande esforço de recuperação econômica. Simultaneamente, as economias da Europa do leste sofreram profunda reestruturação, compreendendo uma ampla planificação, a estatização da produção industrial e de serviços e a reforma agrária. A cooperação entre as economias do leste europeu foi institucionalizada através do Conselho de Assistência Econômica Mútua (COMECOM ).

                    A seu turno, nos Estados Unidos, Harry Truman, que assumiu a presidência após a morte de F.D. Roosevelt, definiu a contenção à União Soviética como a prioridade de sua política externa. Lançada em março de 1947, como a Doutrina Truman, esta política norteou o pensamento estratégico norte-americano ao longo de toda a Guerra Fria.

                    Em 1949, as forças comunistas vitoriosas, lideradas por Mao-Tsé-Tung levaram à proclamação da República Popular da China. Para os Estados Unidos o acontecimento foi interpretado como nova ameaça à segurança do mundo ocidental.

                    Em 1950, a doutrina de contenção adquiriu um sentido militar com a aprovação de um memorando do Conselho de Segurança Nacional, rotulado como o NSC 68. Este documento defendia um amplo fortalecimento militar dos Estados Unidos e de seus aliados, visando um reequilíbrio de forças no conflito Leste-Oeste.

                    A partir da Guerra da Coréia (1950-53) estas premissas foram postas em vigência. A invasão da Coréia do Sul, em junho de 1950, pelas tropas norte-coreanas levou ao imediato envolvimento dos Estados Unidos. A argumentação de que se tratava de uma agressão de inspiração soviética permitiu contar com o respaldo da ONU para a intervenção na península coreana.

                    No plano interno, a política de contenção norte-americana foi reforçada por campanhas ideológicas anti-comunistas. No início dos anos 50, o macartismo, liderado pelo senador Joseph McCarthy, deixou suas marcas na vida intelectual e artística dos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, o contexto de um vigoroso crescimento econômico facilitou o apoio da maior parte da sociedade norte-americana à visão ideológica oficial.

                    A administração republicana do general Dwight Eisenhower (1953-61) trouxe novos componentes para a política internacional norte-americana. Rotulada como a Grande Equação, esta política buscou um equilíbrio entre o mínimo de ação militar e o máximo de força econômica.

                    Simultaneamente, o governo norte-americano aumentou seus esforços para manter superioridade estratégica. Multiplicaram-se os pactos de segurança multilaterais e os acordos militares bilaterais promovidos pelos Estados Unidos em todo o mundo. Em 1959 esta nação mantinha mais de um milhão de pessoas em bases militares espalhadas por 42 países.  Na esfera militar, o confronto Leste-Oeste desencadeou uma permanente corrida armamentista entre as duas superpotências. A explosão do primeiro artefato nuclear soviético, em julho de 1949, aprofundou os perigos desta disputa. Este processo levou ao armazenamento de grandes arsenais nucleares, justificados por estratégias dissuasivas.

                    A explosão de bombas de hidrogênio pelos Estados Unidos (1952), seguida pela União Soviética (1955), o avanço de ambos na indústria de mísseis e a explosão da primeira bomba atômica britânica (1952) criaram pressões na comunidade internacional por iniciativas de desarmamento. Após a criação da Comissão de Desarmamento na ONU (1952), tiveram início reuniões de cúpula entre as potências mundiais para discutir a redução de armamentos e o controle de explosões nucleares.

                    Também datam deste período as primeiras experiências de exploração espacial. Neste caso coube à URSS a posição de liderança, consagrada em 1957 com o lançamento do Sputnik - o primeiro satélite artificial. E, em 1961, a URSS enviou ao espaço o primeiro astronauta do mundo, Yuri Gagarin.

                    A partir de 1953, com a morte de Joseph Stalin na URSS e o cessar-fogo na Coréia, a Guerra Fria foi ganhando novos contornos.

                    No final dos anos cinquenta havia se consolidado, no sistema político internacional, uma estrutura bipolar baseada em sistemas rígidos de aliança e no equilíbrio do terror. Na medida em que o confronto Leste-Oeste foi perdendo um sentido transitório, surgiram regras informais de coexistência entre as superpotências. Destaca-se o interesse comum em evitar uma guerra total, o gradual respeito pelas esferas de influência e a não -ingerência de uma potência na vida política da outra.

                    Esta realidade, entretanto, não implicou a formação de zonas de influência estáticas. Na área socialista, após a dissidência da Iugoslávia (1948), foram reprimidos os movimentos de sublevação na Alemanha Oriental (1953), na Hungria e na Polônia (1956). O principal abalo aconteceu em 1959, com a cisão sino-soviética. A partir de então, os governos da URSS e da China Comunista passaram a disputar ascendências nos movimentos revolucionários do Terceiro Mundo.

                    Os Estados Unidos, por sua vez, procuraram evitar a formação de governos simpáticos à URSS em sua órbita. Em sua ação internacional, orientada a partir da administração Kennedy pela doutrina da resposta flexível, o governo norte-americano diversificou seus métodos de contenção política. Suas apreensões contencionistas levaram à ativação de uma rede de serviços de inteligência em todo o mundo - operado pela Central Intelligence Agency (CIA).

                    Com a revolução cubana (1959), a América Latina se tornou, pela primeira vez, uma região preocupante para o governo norte-americano. A vitória do socialismo em Cuba introduziu novos fatores de tensão no confronto bipolar. A construção do Muro de Berlim em 1961 e a crise dos mísseis em território cubano no ano seguinte, foram os episódios mais dramáticos desta escalada.  

ALLISON, G.  Essence of Decision: explaining the cuban missile crisis.  Boston: Little Brown, 1971.

                    Após a superação dos momentos de crise gerados por esses dois episódios, a Guerra Fria iniciou a etapa conhecida como détente, caraterizada por uma atitude mais cooperativa por parte das duas superpotências, que aceitaram o início de negociações para o controle de armamentos. Estas negociações foram favorecidas pela consolidação da liderança de Nikita Kruschev na União Soviética e pelos novos conteúdos da política contencionista da administração Kennedy nos Estados Unidos. Entre os resultados desta nova fase destaca-se a assinatura, por Washington e Moscou, em agosto de 1963, do Tratado de Proscrição de Testes Nucleares.

 

2.  A América Latina na Guerra Fria

                    Na América Latina, as relações com os Estados Unidos foram condicionadas pela Guerra Fria. Em 1947 inicou-se a montagem do Sistema Interamericano, realizando-se no Rio de Janeiro a Conferência para a Manutenção da Paz e da Segurança. Nesta ocasião, as nações do continente assinaram o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR). No ano seguinte, na Conferência de Bogotá, foi aprovada a Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA). Esta Carta definiu as normas de convivência no âmbito Interamericano, determinou a solução pacífica de conflitos regionais e estabeleceu os princípios da cooperação econômica interamericana.  

CERVO, Amado L.  Relações Internacionais da América Latina- Velhos e Novos Paradigmas. Brasília: IBRI, 2001.

                      Em 1948, no âmbito das Nações Unidas, com o objetivo de criar um foro para defesa de seus interesses econômicos, os países latino-americanos promoveram - apesar da oposição norte-americana - a criação da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL). Este orgão se tornou o principal espaço para a formulação de idéias e orientações técnicas para a promoção do desenvolvimento econômico da região. Entre suas principais recomendações destacavam-se: a intervenção econômica do Estado, a regulamentação do capital externo, a ênfase na industrialização e o atendimento às necessidades básicas da sociedade.

                        Nesta época surgiram em diversos países latino-americanos forças políticas nacionalistas, que postulavam este mesmo receituário. Podem ser mencionados: os autênticos em Cuba, os socialistas na Guatemala, a Ação Democrática na Venezuela, o Apra no Peru, o Justicialismo na Argentina e os trabalhistas no Brasil. Em 1952, a vitória da revolução nacionalista na Bolívia, liderada por Paz Estensoro, aliou a defesa de bandeiras nacionalistas às reformas da estrutura fundiária e à expropriação de companhias mineradoras estrangeiras. Em todos os casos a expansão do nacionalismo foi acompanhada por marcados sentimentos anti-americanos, que identificavam os Estados Unidos com a máxima expressão do poder imperial.

                        O nacionalismo latino-americano se identificou com experiências de outras regiões subdesenvolvidas. Eram observados com interesse os processos de descolonização na Ásia e na África, os movimentos nacionalistas no Oriente Médio e os primeiros passos do Movimento Não-Alinhado. No entanto, pela ótica norte-americana, o que existia na América Latina era uma estreita associação entre os nacionalistas e as forças comunistas.

                        A partir da Guerra da Coréia, cresceram nos Estados Unidos as expectativas de que os países latino-americanos apoiassem sua política de contenção à União Soviética. Durante a Quarta Conferência de Consulta, realizada em abril de 1951 em Washington, houve forte pressão para que os países da área participassem do conflito coreano. Não obstante, para os governos da América Latina tornara-se mais importante reforçar a cooperação no âmbito inter-americano do que assumir compromissos em áreas distantes de seus interesses. Procurava-se evitar o envolvimento da Organização dos Estados Americanos (OEA) em crises e conflitos de natureza global.

                        Nestas circunstâncias, o governo norte-americano optou pelo fortalecimento de alguns vínculos bilaterais através do Programa de Assistência Militar. Em 1952 foram assinados sete acordos militares com países da região: Brasil, Chile, Uruguai, Equador, Peru, Colômbia e Cuba. Introduziu-se o conceito de segurança coletiva, prevendo-se a assistência militar (equipamento e treinamento) em troca do fornecimento de materiais estratégicos. Este tipo de entendimento foi rejeitado na época pela Argentina, México e Guatemala.

                        Os efeitos da cooperação militar e do alinhamento político dos países latino-americanos aos Estados Unidos se estenderam durante a década de cinquenta. Por ocasião da Décima Reunião de Consulta dos Chanceleres Americanos, realizada em abril de 1954 em Caracas, o governo norte-americano buscou respaldo à sua política de segurança na região. Procurava-se criar um marco político que justificasse sua atuação na derrubada do governo nacionalista de Jacobo Arbens na Guatemala. Para tanto foi aprovada a Declaração de Solidariedade para a preservação de integridade política dos Estados Americanos contra a Intervenção Comunista Internacional.

                        No plano econômico, as relações entre os Estados Unidos e a América Latina acentuavam suas assimetrias. O comércio entre as duas partes havia alcançado seu apogeu em 1950, quanto à importância recíproca. Não obstante, no final dos anos cinquenta, aproximadamente 45% das exportações latino-americanas se dirigiam ao mercado norte-americano, enquanto menos de 25% das vendas externas dos Estados Unidos eram destinadas à região latino-americana. Esta tendência se aprofundou nas décadas seguintes.

                        Os crescentes desencontros entre o governo norte-americano e a América Latina criaram uma tensão que pode ser observada em 1958, na visita do vice-presidente Richard Nixon a alguns países da região. Nestas circunstâncias o Brasil, com o apoio da Argentina, lançou a Operação Pan-Americana. Seu objetivo principal foi tentar comprometer o governo norte-americano com um projeto de desenvolvimento para a América Latina. Esta iniciativa, entretanto, não despertou maior interesse dos Estados Unidos.

                        Neste mesmo período, a América Latina procurou reproduzir a experiência européia de formação de uma área econômica comum. Em 1960 foi assinado o Tratado de Montevidéu para criar a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), prevendo o funcionamento de uma zona de livre comércio num prazo de 12 anos. Esta iniciativa contou com a participação do Brasil, Argentina, Chile, México, Paraguai, Peru e Uruguai e, posteriormente, da Bolívia.

                        A partir da eclosão da revolução cubana em 1959, surgiu um novo tipo de mobilização do governo norte-americano junto à comunidade latino-americana. Pela primeira vez a América Latina inspirava certa preocupação, podendo significar uma ameaça à segurança dos Estados Unidos.

                        Em 1961, os Estados Unidos anunciaram o lançamento da Aliança para o Progresso, um programa de assistência ao desenvolvimento na América Latina. Este Programa previa a utilização de fundos públicos e privados – que totalizariam 20 bilhões de dólares - para financiar durante 10 anos projetos voltados para a melhoria de condições sociais e econômicas da região. Afinal, foram irrisórios os resultados desta iniciativa. Nos anos 1961-68 apenas metade da quantia prevista foi desembolsada para a região. A maior parte destes recursos foram utilizados no pagamento de dívidas externas e na repatriação de capital.

3.  A Política Externa Brasileira no Contexto da Guerra Fria

                        As regras de convivência democrática no Brasil foram consolidadas na Constituição aprovada em setembro de 1946. Ao mesmo tempo, as novas agrupações partidárias definiam as opções políticas no país. O Partido Social Democrático (PSD) reunia políticos tradicionais das áreas rurais, empresários progressistas e setores das classes médias urbanas; a União Democrática Nacional (UDN) agrupava os políticos liberais brasileiros; o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) representava os trabalhadores urbanos organizados; e o Partido Comunista do Brasil (PCB) concentrava as forças de esquerda afinadas com a URSS. Estes partidos, com a exceção do PCB que foi proscrito em 1947, marcaram a vida política brasileira até à ruptura institucional de março de 1964.

                        A evolução da política externa brasileira nestes anos foi influenciada pelos vaivéns da política interna. Em diversas ocasiões a ação diplomática do país se pautou por interesses e posições político-partidárias. Foi também uma época em que a imprensa e o Congresso tornaram-se atores relevantes no debate interno sobre a política internacional.

                        A partir da gestão de Neves da Fontoura, o Instituto Rio Branco (criado em 1946) adquiriu o perfil de uma academia diplomática. Criaram-se diversas modalidades de cursos, que visavam a preparação e o aperfeiçoamento da atividade diplomática.  

                        Ao praticar uma política de bloco, a diplomacia brasileira manteve invariável apoio ao governo norte-americano nos foros multilaterais. O alinhamento a Washington coincidiu com uma forte identificação ideológica com os valores do mundo ocidental, mostrando uma sistemática rejeição aos países que pertenciam à órbita soviética.

                        Em outubro de 1947, foram rompidas as relações diplomáticas do Brasil com a União Soviética. Além de pretender reforçar opções de política internacional, esta decisão respondia à ideologia anti-comunista do governo Dutra. Como consequência, foram decretadas a ilegalidade do Partido Comunista Brasileiro e a cassação do mandato de seus parlamentares. Dois anos depois, o governo seguiu a mesma orientação com respeito ao regime revolucionário chinês. Após o fechamento da embaixada e do consulado na China, optou-se pelo não reconhecimento da República Popular chinesa, votando-se contràriamente à sua entrada na ONU.

                        Neste passo, outros episódios exemplificam a orientação conservadora da diplomacia brasileira neste período. Pode se mencionar a mudança de posição na ONU em 1949, por ocasião das recomendações de sanções ao governo espanhol do General Franco, logo seguida pela decisão de reatar relações diplomáticas com a Espanha. Também foram mantidas relações estreitas com o governo autoritário de Salazar, em Portugal.

                        O alinhamento aos Estados Unidos não impediu que a diplomacia brasileira diversificasse seu campo de atuação no âmbito multilateral. Desde 1945 o Brasil se envolveu na organização de novos foros no Sistema das Nações Unidas. Apesar de não conseguir o assento permanente no Conselho de Segurança, em 1946 foi indicado para ocupar um assento não-permanente do mesmo órgão, com um mandato de dois anos. Em 1947 coube ao Brasil a Presidência do Conselho, no que foi representado por Oswaldo Aranha. Logo depois, Aranha foi eleito presidente da Assembléia Especial sobre a Palestina ( abril-maio / 1947 ) e presidente da II Assembléia Geral Ordinária (setembro - dezembro 1947).

                        Em setembro de 1947 o Brasil sediou a Conferência do Rio de Janeiro para a Manutenção da Paz e da Segurança no Continente. Nesta ocasião se assinou o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca ( TIAR ), com a presença do presidente norte-americano. A visita de Truman ao Brasil foi retribuída em maio de 1949, quando Eurico Dutra realizou a primeira viagem de um presidente brasileiro aos Estados Unidos.

                        Durante o governo Dutra prolongou-se a vigência do Programa de Cooperação para o Abastecimento de Recursos Minerais com os Estados Unidos, que autorizava a exportação de areias monazíticas, material estratégico de grande valor para o programa de energia atômica norte-americano. Simultaneamente, o Brasil apoiou o Plano Baruch, que propunha a criação da Autoridade Internacional de Energia Atômica.

                        O Brasil manteve sua posição de aliado especial dos Estados Unidos, durante a Conferência de Bogotá (1948), na qual foi criada a Organização dos Estados Americanos (OEA). Na ocasião, entretanto, o governo brasileiro mostrou-se decepcionado com os resultados desta política. A delegação brasileira, chefiada pelo ex-chanceler Neves da Fontoura, aceitou a contragosto as prioridades norte-americanas, que privilegiavam os objetivos políticos da reunião, em detrimento de avanços no campo da cooperação econômica. Para os países latino-americanos, e o Brasil em particular, estes temas deveriam incluir-se numa agenda interamericana de longo prazo. Eles envolviam a disponibilidade de créditos para projetos de desenvolvimento, o direito de aplicação de medidas protecionistas para setores industriais recentes e acesso ampliado ao mercado norte-americano.

                        De fato, a maior frustração nas relações com os Estados Unidos para o governo Dutra verificou-se na área da cooperação econômica. Em 1948 se constituiu a Missão Abbink (Comissão Técnica Mista Brasil-Estados Unidos) com o objetivo de estimular o desenvolvimento brasileiro. Não obstante, a Missão se limitou a recomendar o aumento da produtividade brasileira, a reorientação dos capitais formados internamente e um maior afluxo de capital estrangeiro para o país. Esta Missão foi sucedida pela Comissão Mista Brasil-Estados Unidos para o Desenvolvimento Econômico, em dezembro de 1950.

                        A partir dos anos 50, crescentes desencontros com os Estados Unidos levaram o Brasil a introduzir novas ênfases em sua diplomacia multilateral. Gradualmente, as posições do país passaram a valorizar o sistema das Nações Unidas para a promoção do desenvolvimento econômico.  

NOTAS:

(1)- Texto baseado nos escritos do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) - Gabinete de Informação e Imprensa - MNE - Missões Diplomáticas e Postos Consulares -  A Missão Diplomática e as suas funções.  Portugal: 2004.

(2)- Texto baseado nos escritos de Mônica Hirst. História da Diplomacia Brasileira. Brasil: Ministério das Relações Exteriores, 2004.

FONSECA Jr., Gelson & CASTRO, Sérgio Henrique Nabuco de (org.). Temas de Política Externa Brasileira II. São Paulo/Brasília: Editora Paz e Terra/Fundação Alexandre de Gusmão, 1994, 2 volumes.

            KISSINGER, Henry.  La Diplomacia. México: Fondo de Cultura Económica, 1999.

            KRASNER, Stephen D. International Regimes. Ithaca: Cornell University Press, 1983

            MARTINS, Estevão Chaves de Rezende. Relações Internacionais - Visões do Brasil e da América Latina. Brasília: IBRI, 2003.

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FREIRE E ALMEIDA, D. DIPLOMACIA NO SÉCULO XX  – Aula 7.  Brasil: Maio, 2004.  Disponível em: < www.lawinter.com >

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