DIPLOMACIA NO SÉCULO XX
O Desenrolar da Diplomacia e as suas funções
INTRODUÇÃO
As mais de cinco décadas transcorridas desde o final da Segunda Guerra mundial, tem sido anos de transformações sem precedentes nas Relações Internacionais e nos modos de vida, ao ponto que em razão dos câmbios fundamentais e de grande alcance que se colocam, o mundo de hoje surpreenderia aos diplomatas que em 1945 redigiram e negociaram a Carta da Organização das Nações Unidas em 1945.
Neste lapso temporal, é possível perceber e destacar a presença de fatores que têm condicionado as Relações Internacionais, e que são os seguintes, exemplificativamente:
1- A Guerra Fria, em que as Relações Internacionais estiveram dominadas pelo enfrentamento ideológico, político e estratégico entre dois mundos, liderado cada um deles por uma grande potência, os Estados Unidos da América e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
2- A descolonização, que impulsionou o processo de universalidade da sociedade internacional como consequência do fim dos Impérios coloniais.
3- O abismo Norte-Sul, isto é, a crescente desigualdade entre desenvolvidos e sub-desenvolvidos.
4- O Fim da Guerra Fria, com o desmoronamento do império soviético e a emergência de um mundo único em que os princípios da economia de mercado, com seus dogmas de liberalização, competitividade e desregulação, alcançaram vigência universal, caracterizada, principalmente, pela adesão da R. P. da China na Organização Mundial do Comércio, e a solicitação, mesma, por parte da Rússia.
5- Relevância de novos tipos de conflitos, distintos dos tradicionais, que se desenrolam no interior dos Estados e não entre Estados. Conflitos que são acompanhados por violações graves e massivas dos Direitos Humanos Internacionais e que podem colocar em perigo a manutenção da paz e segurança internacionais.
6- Relevância das Organizações Internacionais, universais e regionais, como instrumentos de cooperação permanente e institucional entre os países, bem como ao progresso comercial das nações nelas envolvidas.
7- O desenvolvimento e a transfomação das funções e da Diplomacia.
Todas estas transformações, aliadas a outras mais, nesta complexa realidade, nos presenteiam com lições muito distintas das que haviam caracterizado os Estados desde a Paz de Westfalia. Lições e mudanças, que René-Jean Dupuy (1981), expressa nas seguintes reflexões, in verbis: "em primer lugar, los Estados que pretendieron entonces la plenitud de soberanía e independencia, se encuentran hoy subordinados en razón de los límites que les impone la realidad de la interdependencia; en segundo lugar, tras haber proclamado su integridad territorial tienen que admitir que sus fronteras han perdido mucho de su carácter cerrado, pues los hechos les obligan a tomar conciencia de que se hallan sumergidos en la transnacionalización de la vida; por último, después de haber afirmado durante siglos su unidad política, que sólo excepcionalmente quedaba perturbada, muchos sufren las consecuencias de la dislocación de tal unidad."
Nesta linha, em decorrência dos modernos avanços tecnológicos a que o planeta assiste, com ênfase nos últimos tempos, tem-se verificado, gama significativa de eventos com interferência sobre os destinos de número, expressivo e infindável, de povos os mais distintos, com culturas e história as mais estanques entre si.
Em tal contexto, inicial primazia, na compreensão
de tais fenômenos, têm os estudantes em Relações Internacionais,
principalmente, nos meandros diplomáticos, segmento
que se debruça sobre a vertente de relações e negociações entre soberanias (angulação
publicística).
De fato, a efetiva necessidade de integração entre os povos, como primado para o progresso da toda a humanidade, vêm os ventos da internacionalização revelando interferência, decisiva e crucial, nos rumos das decisões governamentais, coletivas e até individuais, razão pela qual o estudo, interessado e insistente, sobre os meandros do desenrolar da Diplomacia no século XX, se apresenta como mecanismo vital ao entendimento dos fenômenos mais preciosos à sociedade e ao seus componentes, independentemente da estirpe ou origem da qual cada um emane.
1. Origens Históricas das missões diplomáticas permanentes
As exigências de contatos frequentes requeridos pelas diversas unidades políticas italianas levou à criação do embaixador residente. Enquanto na antiguidade e no período medieval as embaixadas possuíam um caráter temporário, ainda mesmo quando se prolongavam por algum tempo, a intensa e continuada atividade diplomática dos Estados italianos no início da Idade Moderna fez surgir a necessidade de representações diplomáticas de caráter permanente.
Antes do final do século XV, os embaixadores residentes, praticamente desconhecidos em todo o resto da Europa, passaram a ser uma instituição corrente em toda a Itália. Embora se conheçam casos esporádicos em épocas anteriores, em que embaixadores permaneceram longo tempo nos países para onde foram enviados, o verdadeiro iniciador do novo sistema de embaixadores residentes deve ser considerado o senhor de Milão Giangaleazo Visconti que, durante mais de sete anos, ou seja, de Maio de 1425 a Julho de 1432, manteve um embaixador residente junto da corte de Segismundo (l368 - 1437), rei de Hungría e imperador do Santo Império Romano. Durante quase todo este tempo o rei Segismundo manteve igualmente um embaixador residente em Milão. É possível que Veneza tenha mantido também um embaixador residente em Milão de 1415 a 1425, quando a república adriática procurava negociar a paz com Milão. Mas as provas de tal fato são inconclusivas segundo o grande historiador Garrett Mattingly.
Em 1431, Veneza, Florença e o Papado juntaram-se contra Milão a fim de, entre outros objetivos, recuperarem duas cidades papais de que os milaneses se haviam apoderado. Pouco antes de Abril de 1435, Veneza envia a Roma, como embaixador residente, um diplomata experiente, Zacarias Bembo. A partir de 1448 Veneza e Florença trocaram também embaixadores residentes. Em 1457 Nápoles mantinha um embaixador residente em Veneza, e, igualmente, um outro em Milão por volta de Dezembro de 1448. Neste último ano havia igualmente um embaixador residente de Milão em Roma.
A seu turno, a Santa Sé começou a receber embaixadores residentes antes de os enviar junto das diversas cortes italianas. Durante praticamente todo o século XV os Papas receberam embaixadores mas não enviaram nenhum. Alexandre VI (l492-1503) manteve um nuntius e orator na corte do imperador Maximíliano (l459-1519) durante quatro anos, depois de 1495. Por volta de 1500 o mesmo Papa enviou representantes permanentes para Espanha, França e Veneza. Em 1506 Júlio 11 (l5O3 - 1513) renovou a representação na Espanha. Mas a expansão decisiva do sistema papal de representação diplomática permanente só veio a dar-se nos pontificados de Leão X (l5l3 - 1521) e Clemente Vll (l523 - 1534) e a nova instituição assumiu uma forma precisa a partir do pontificado de Gregório Xlll (l572 - 1585) atingindo o seu pleno desenvolvimento nos começos do século XVII.
Da Itália o sistema dos embaixadores residentes transmitiu-se ao resto da Europa embora não de forma uniforme e simultânea.
2. As Funções da Diplomacia no século XX (2)
As relações entre os Estados em épocas passadas tinham, em regra, um escasso conteúdo e os agentes diplomáticos limitavam-se a representar e a informar os seus respectivos países, e neste último particular em matérias de caráter muito limitado, ocupando-se ocasionalmente de uma negociação sobre um problema concreto (uma aliança política, um acordo comercial, um casamento real).
Pelo contrário, as relações entre os Estados modernos são de natureza extremamente complexa e variada o que, só por si, fornece já à diplomacia moderna um conteúdo mais rico e diversificado, exigindo ao agente diplomático uma maior preparação. Basta referir o campo das comunicações para se fazer uma idéia da multiplicidade dos elos que ligam os vários Estados entre si, mesmo aqueles que geograficamente se acham mais afastados. As telecomunicações, as comunicações postais, aéreas, de navegação, de caminhos de ferro e de rodovias, constituem domínios que obrigam os Estados a cooperarem entre si. Alguns destes domínios não existiam no passado e nos outros que já existiam a cooperação era muito escassa e por vezes mesmo inexistente. É evidente que as relações entre os Estados se estendem ainda a muitos outros e variados domínios como sejam a saúde, o intercâmbio cultural, a cooperação fínanceira e econômica, a imigração, a cooperação científica e técnica, os esportes, a proteção de marcas e da propriedade intelectual, entre outros.
Se o conteúdo material da atividade diplomática é, pois, bastante complexo e variado, os elementos em que se decompõe a atividade diplomática são também diversos. A necessidade de regulamentar juridicamente as funções das missões diplomáticas levou a uma precisão, no âmbito do Direito Internacional Público, dos vários elementos fundamentais em que se decompõe a atividade diplomática. Esses elementos, que se acham descriminados no artigo 3.º da "Convenção de Viena sobre relações diplomáticas", de 18 de Abril de 1961, são os seguintes:
a) representação; b) proteção; c) informação; d) promoção; e e) negociação.
A referida Convenção de Viena não faz, entretanto, uma enumeração exaustiva desses elementos prevendo, por conseguinte, a existência de outros. Quando, por exemplo, um cidadão do Estado A, residente ou de passagem no Estado B, se dirige a um consulado ou a uma seção consular da embaixada do Estado A para requerer a celebração de um ato notarial, estamos em presença de uma extensão externa do serviço público de um determinado Estado funcionando noutro Estado. Esse serviço pode ser de diversa natureza compreendendo, além do atos de notariado, já referidos, atos de registo civil ou relativos ao serviço militar, emissão de passaportes e vistos, casamentos, entre outros.
Esta
extensão externa do serviço público, praticada pelos serviços consulares,
que podem ser postos consulares autônomos ou seções consulares das missões
diplomáticas, não figura expressamente entre as funções atribuídas às missões
diplomáticas pela "Convenção de Viena sobre relações diplomáticas",
de 1961, visto ser objeto de um outro acordo internacional designado por
"Convenção de Viena sobre relações consulares" e que foi assinada
em 24 de Abril de 1963. No citado artigo 3.º da "Convenção de
Viena" de 1961, depois de uma enumeração das funções da missão diplomática,
afirma-se porém, no seu parágrafo 2, que "nenhuma disposição da
presente Convenção poderá ser interpretada como impedindo o exercício de funções
consulares pela missão diplomática". E no artigo 3.º da "Convenção
de Viena" de 1963 diz-se que "as funções consulares serão exercidas
por postos consulares. Serão também exercidos por missões diplomáticas em
conformidade com as disposições da presente Convenção". Há, pois, que
juntar às funções enumeradas no referido artigo 3.º da "Convenção de
Viena" de 1961 aquilo a que chamamos a extensão externa do serviço público
que abrange todas as matérias incluídas na função consular que não se hajam
já incluídas nas funções enumeradas pelo citado artigo 3.º .
Podemos, pois, dizer que, segundo as referidas Convenções, os elementos constitutivos da atividade diplomática(3) são os seguintes:
a) representação; b) proteção; c) informação; d) promoção; e) negociação; f) extensão externa do serviço público.
Nem todos estes elementos possuem, porém, um caráter essencial. É assim que não é possível conceber a atividade diplomática sem a representação, a informação e a negociação. Uma atividade diplomática limitada a estes três elementos é perfeitamente concebível, mas por outro lado, não é possível conceber-se uma atividade diplomática se um destes elementos lhe estiver vedado. Os outros três elementos podem ou não existir consoante as circunstâncias pelo que os consideramos como acessórios, o que não significa que não sejam importantes em certos e determinados casos. Em um país A, em que não existem praticamente nacionais do país B e onde não existe qualquer corrente turística ou de outra natureza com o país B, a extensão externa do serviço público do país B no país A não terá qualquer interesse. O mesmo se poderá dizer quanto à proteção e à promoção em determinadas circunstâncias. Em sentido inverso, num país A em que existe uma importante colônia de nacionais do país B, embora poucos sejam os interesses políticos, econômicos e culturais que ligam ambos os países, a extensão externa do serviço público do país B no país A terá certamente uma importância primordial. É evidente, por outro lado, que as missões permanentes junto dos organismos internacionais não se ocupam da extensão externa do serviço público.
NOTAS:
(1) - A proposta foi feita pelo
delegado da Santa Sé, o então monsenhor Agostinho Casarolli, hoje Cardeal e
ex-Secretário de Estado. Veja-se G. E. do Nascimento e Silva, Convenção de
Viena sobre relações diplomáticas, Ministério das Relações Exteriores,
1967, pg. 54 - 5.
(2) - Texto baseado nos escritos do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) - Gabinete de Informação e Imprensa - MNE - Missões Diplomáticas e Postos Consulares - A Missão Diplomática e as suas funções. Portugal: 2004.
(3) - A organização da carreira diplomática no Brasil
No Brasil, o serviço diplomático é uma carreira de Estado, com uma estrutura organizada em bases estáveis e transparentes (essencialmente, a Secretaria de Estado das Relações Exteriores em Brasília e a rede de postos no exterior). O acesso a essa carreira se dá unicamente por concurso público. Desde os anos quarenta, a seleção e a formação dos diplomatas brasileiros é feita exclusivamente* pelo Instituto Rio Branco, órgão do Ministério das Relações Exteriores.
A profissionalização dos serviços diplomáticos não é, observe-se, uma realidade universal. Em muitos países, a indicação para missões em Embaixadas no exterior ainda ocorre em bases aleatórias.
Os estágios da carreira são os seguintes: Terceiro Secretário, Segundo Secretário, Primeiro Secretário, Conselheiro, Ministro de Segunda Classe e Ministro de Primeira Classe. Os Embaixadores (ou seja, chefes de representações diplomáticas no exterior) são normalmente selecionados entre os ocupantes do cargo de Ministro de Primeira Classe e, em alguns casos, entre os Ministros de Segunda Classe.
*O Presidente da República dispõe da faculdade de indicar para o cargo de Embaixador pessoas de sua confiança que não sejam membros da carreira de diplomata. A quase totalidade dos Embaixadores do Brasil, porém, tem sido escolhida entre funcionários de carreira. Esse é um dos aspectos essenciais da tradição de estabilidade e de profissionalismo do serviço diplomático brasileiro.
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FREIRE
E ALMEIDA, D. DIPLOMACIA
NO SÉCULO XX
– Aula 2.
Brasil:
Agosto,
2005.
Disponível em:
< www.lawinter.com/2004
2 diplomacia.htm
>
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